Nos últimos dez anos, o panorama das denúncias corporativas no Brasil passou por uma transformação notável. Originada com a Lei Anticorrupção de 2013 (Lei 12.846/2013), a mudança reflete uma evolução nas práticas de compliance e na percepção da ética empresarial.
A Lei Anticorrupção, promulgada em um contexto de intensas manifestações contra a corrupção, incentivou as empresas a estabelecerem canais internos de denúncia, como hotlines. Inicialmente concebidos para combater a corrupção, esses canais eram vistos como ferramentas críticas para mitigar riscos e evitar sanções administrativas.
Contudo, uma década depois, observa-se uma mudança significativa na natureza das denúncias. As corporações, anteriormente focadas em atos de corrupção, agora enfrentam um volume crescente de queixas relacionadas a questões comportamentais, como assédio moral, sexual e discriminação. Este cenário é evidente em grandes empresas brasileiras, como a mineradora Vale e a Petrobras, onde a maioria das denúncias agora se concentra em violências no ambiente de trabalho e relações interpessoais.
A predominância de denúncias comportamentais não é um fenômeno isolado. Ela reflete uma tendência mais ampla no mercado, impulsionada por uma mudança nas expectativas sociais em relação à ética, integridade e respeito. Práticas anteriormente toleradas agora são inaceitáveis, e empresas que falham em atender a esses padrões estão “fora do jogo”. O aprimoramento das plataformas de denúncia, oferecendo mais segurança e anonimato, também contribuiu para essa mudança.
Em setembro de 2022, a promulgação da Lei 14.457, conhecida como Emprega + Mulheres, marcou outro marco importante. Esta lei exige que empresas de médio e grande porte com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) implementem procedimentos para receber e acompanhar denúncias anônimas, especialmente focadas no combate ao assédio sexual.
Essa legislação, ao lado da crescente conscientização e treinamento sobre assédio e violência, tem impulsionado o aumento das denúncias comportamentais. A mudança na cultura corporativa, incentivada por esses treinamentos e pela evolução das normas de compliance, está na vanguarda desse movimento. Empresas, especialmente aquelas com influência internacional, estão cada vez mais percebendo que as ferramentas de integridade podem ser essenciais não apenas para detectar e prevenir corrupção, mas também para gerenciar e mitigar riscos comportamentais.
Portanto, enquanto a Lei Anticorrupção de 2013 marcou o início de uma nova era em compliance corporativo no Brasil, a evolução subsequente nos tipos de denúncias reflete uma mudança profunda na conscientização e nas expectativas sociais. As empresas brasileiras agora enfrentam o desafio de adaptar suas práticas de compliance para não apenas tratar de fraudes e corrupção, mas também abordar eficazmente conflitos interpessoais e violências no ambiente de trabalho.