Refletindo sobre a questão da incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações envolvendo a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica, emerge a necessidade de uma análise detalhada e objetiva. Este tema, objeto de extensos debates e embates jurídicos, encontrou sua resolução principalmente por meio da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), que delineou entendimentos fundamentais sobre o assunto.
A jurisprudência do STF estabeleceu que, na simples movimentação de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes à mesma entidade jurídica, não se configura uma transferência de propriedade, implicando na inexistência do fato gerador do ICMS. Esta posição, reforçada por decisões emblemáticas, como na ADC nº 49 e no Tema 1.099, firmou-se como um referencial interpretativo sólido.
Entretanto, a recente modificação legislativa promovida pela Lei Complementar nº 204, de 2023, suscita novos questionamentos, especialmente no que concerne ao direito ao creditamento dos valores pagos em operações anteriores, em consonância com o princípio constitucional da não cumulatividade. A inclusão do §4º ao artigo 12 da Lei Complementar nº 87, de 1996, busca endereçar tais questões, mas sua implementação prática revela desafios adicionais.
A modulação de efeitos determinada pelo STF na ADC nº 49 exigiu a regulamentação da matéria pelos estados até o exercício de 2024, sob pena de reconhecimento implícito das operações realizadas. Contudo, a divergência persiste quanto ao órgão competente para tal regulamentação, seja o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o legislador estadual ou federal por meio de Lei Complementar.
A recusa do estado do Rio de Janeiro em aderir ao Convênio nº 174, de 2023, e posteriormente a edição do Convênio nº 178, de 2023, ilustram os embates na tentativa de estabelecer diretrizes uniformes. A complexidade aumenta quando se consideram questões como a substituição tributária, a antecipação nos estados de destino e as transferências de ativos, temas abordados no Convênio ICMS 225, de 2023, mas que ainda carecem de clareza normativa.
Destaca-se também a situação dos contribuintes beneficiários de incentivos fiscais que condicionam a fruição dos créditos à ocorrência do fato gerador nas saídas de mercadorias. Nesse contexto, a transferência compulsória de créditos pode acarretar prejuízos significativos e, em alguns casos, ser interpretada como uma forma de contornar decisões do STF.
Diante desse panorama, decisões judiciais recentes, como no processo nº 2038251-19.2024.8.26.0000, têm reconhecido a autonomia dos contribuintes na gestão de seus créditos, especialmente em operações interestaduais.
A questão do ICMS nas transferências entre estabelecimentos da mesma empresa continua a suscitar debates e demanda uma regulamentação que concilie a segurança jurídica, a não cumulatividade e, em última análise, o interesse dos consumidores finais, que são os principais impactados por eventuais inconstitucionalidades. Este é um desafio que requer uma abordagem ponderada e alinhada com os princípios constitucionais que regem o imposto.