Uma decisão recente da Justiça Federal afastou a cobrança de multas e juros sobre uma dívida tributária de uma empresa do setor de petróleo e gás. O caso, que envolve valores expressivos de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), foi decidido em favor do contribuinte com base na nova Lei do Carf (nº 14.689/2023), apesar da resistência da União em aplicar a norma. A sentença pode representar um marco relevante para contribuintes que enfrentam disputas administrativas similares.
O imbróglio começou após a empresa perder uma discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o prazo decadencial de cinco anos para cobrança de tributos. O desempate ocorreu por voto de qualidade do presidente da turma, representante da Fazenda Nacional. Apesar de a Lei do Carf prever a exclusão de multas e juros em julgamentos definidos por esse mecanismo, a Receita Federal negou o benefício ao contribuinte, embasada em parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e em instrução normativa que restringe a aplicação da nova legislação a determinados casos.
A empresa recorreu ao Judiciário alegando que essas restrições extrapolam o princípio da legalidade, uma vez que a lei não distingue entre os diferentes temas julgados pelo Carf. Segundo o entendimento da Receita, temas como a decadência – que trata da extinção do crédito tributário por decurso de prazo – não estariam cobertos pela exclusão de penalidades prevista na Lei do Carf. No entanto, o juiz responsável pela decisão rejeitou esse argumento, afirmando que normas infralegais, como pareceres e instruções normativas, não têm poder para limitar o alcance de uma lei federal.
O debate central está na classificação da decadência como questão de mérito ou preliminar. A PGFN defende que a decadência é uma questão processual e, portanto, não sujeita aos benefícios da Lei do Carf. Já tributaristas argumentam que a decadência está expressamente prevista no Código Tributário Nacional como forma de extinção do crédito tributário, sendo, portanto, matéria de mérito.
Outro ponto de controvérsia diz respeito ao momento em que a norma pode ser aplicada. De acordo com as interpretações restritivas da Fazenda, apenas o julgamento final do Carf seria considerado, excluindo casos em que o contribuinte tenha recorrido a instâncias superiores do conselho após um desempate inicial. Essa visão, no entanto, não encontra respaldo direto na lei, que menciona apenas “julgamento por voto de qualidade”, sem estabelecer limitações adicionais.
A decisão judicial, ao afastar multas e juros, reflete uma aplicação mais ampla da Lei do Carf, alinhada ao princípio da legalidade e ao objetivo de garantir maior equilíbrio nas disputas entre contribuintes e o Fisco. Essa interpretação pode abrir precedente para que outros contribuintes em situações semelhantes também busquem o benefício judicialmente, especialmente em casos onde o voto de qualidade foi determinante no desfecho da controvérsia administrativa.
Embora a União tenha anunciado que pretende recorrer, a decisão evidencia um movimento crescente no Judiciário de limitar o uso de instrumentos que ampliem o poder fiscal sem base legal clara. Para as empresas, a sentença reforça a necessidade de monitorar os desdobramentos legislativos e jurisprudenciais, bem como de avaliar a viabilidade de contestar interpretações restritivas adotadas pela administração tributária.