No final de fevereiro, a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil apresentou ao Senado Federal seu Relatório Geral com a proposta final de redação, que agora será analisada pelo Congresso Nacional. O texto, no entanto, não escapou das críticas e controvérsias. Dois novos dispositivos incluídos no capítulo de Direito Empresarial representam sérios retrocessos para a governança corporativa, enfraquecendo a posição dos sócios minoritários.
A proposta de redação do novo artigo 966-A introduz uma nova lista de princípios interpretativos do direito empresarial, incluindo o “da deliberação majoritária do capital social, conforme as peculiaridades na constituição da empresa” (inciso VI).
Em isolamento, esse novo “princípio” não se distancia muito da regra existente no atual Código Civil, que já estabelece o princípio majoritário no artigo 1.076. No entanto, a preocupação surge quando se lê esse princípio em conjunto com a proposta de redação do artigo 1.072, § 4º, que levanta um alerta significativo.
A legislação societária brasileira atualmente determina que as deliberações dos sócios sejam tomadas em assembleia (ou reunião de sócios), garantindo a todos os “proprietários” da empresa a oportunidade de expressarem suas opiniões sobre os temas em discussão. A exceção ocorre quando todos os sócios concordam, por escrito, sobre a matéria em questão (art. 1.072, § 3º).
O anteprojeto do novo Código Civil, entretanto, pretende alterar essa dinâmica, dispensando a realização de assembleias quando “os sócios representativos da maioria do capital social decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”.
Essa proposta pode potencialmente excluir completamente os sócios minoritários do processo decisório, mesmo que detenham 49,9% do capital social da empresa, enfraquecendo os mecanismos de fiscalização e controle societário sobre a atuação dos majoritários.
Essa mudança representa um grave retrocesso na governança corporativa, cujo pilar de equidade pressupõe o “tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas”. Com a possibilidade de que os majoritários tomem decisões sem sequer ouvir os demais sócios, a equidade será profundamente afetada.
Decisões cruciais, como a escolha de administradores, operações de fusão e aquisição (M&A) ou modificações do contrato social, poderão ser feitas à revelia dos sócios minoritários. Isso demonstra a urgência de repensar a proposta contida no anteprojeto.
A proteção dos direitos dos minoritários é um instrumento essencial para a melhoria do ambiente de negócios de um país. Tanto que era um dos eixos temáticos de avaliação do Relatório Doing Business, do Banco Mundial. Existem inclusive iniciativas legislativas para ampliar a tutela dos minoritários no âmbito das sociedades por ações, como o Projeto de Lei 2.925/23, baseado no estudo “Private Enforcement of Shareholder Rights” produzido pela OCDE.
Portanto, a proposta de reforma do Código Civil tem o potencial de causar significativos prejuízos ao ambiente de investimento privado brasileiro, além de contrastar claramente com outras iniciativas recentes de modernização da legislação societária brasileira.