A cessão de créditos reconhecidos judicialmente e sua utilização para compensação tributária tem sido um tema complexo e frequentemente debatido. A questão central reside na interpretação dada pelos tribunais superiores e administrativos ao artigo 74, § 12, inciso II, alínea “a” da Lei n. 9.430/96, que supostamente cria um obstáculo para que o cessionário aproveite o crédito originalmente pertencente ao cedente.
Segundo a jurisprudência do STJ e do Carf, essa disposição legal impede a compensação de débitos próprios com créditos de terceiros, mesmo após a cessão. No entanto, é preciso questionar se, após a cessão, a utilidade econômica do crédito continua sendo de um “terceiro” ou se passa a pertencer ao próprio cessionário. Isso levanta a dúvida sobre se o crédito cedido não se transformaria em um crédito próprio do cessionário, afastando, assim, a restrição imposta pela referida lei.
A cessão de crédito é regulada pelo Código Civil, que permite ao detentor do crédito cedê-lo a terceiros, desde que não haja oposição da natureza da obrigação, da lei ou de convenção com o devedor. Além disso, o Código Tributário Nacional estabelece que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos de direito privado, integrando, portanto, a regulamentação da cessão de crédito ao ordenamento jurídico-tributário.
Para que a cessão tenha eficácia contra terceiros, é necessário que seja formalizada por instrumentos públicos ou particulares, conforme as exigências legais. No aspecto processual, o Código de Processo Civil determina que a cessão do direito litigioso não altera, em regra, a legitimidade das partes no processo. O cessionário não substitui o cedente na demanda judicial, salvo com anuência da parte contrária, podendo atuar como assistente litisconsorcial do cedente.
Mesmo com a anuência para substituição processual, a compensação tributária pelo cessionário encontra obstáculos na interpretação dos tribunais. O STJ tem decidido que, apesar da validade jurídica da cessão no âmbito civil, a compensação tributária com créditos cedidos é vedada pela interpretação do artigo 74 da Lei n. 9.430/96. Este entendimento é reforçado pelo parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que corrobora a impossibilidade de compensação de débitos próprios com créditos de terceiros.
Os acórdãos do Carf reiteram esse entendimento, argumentando que a referida lei veda a compensação com créditos que não sejam originalmente do contribuinte que promove a compensação. Além disso, reforçam que negócios jurídicos entre particulares não são oponíveis ao fisco, conforme o artigo 123 do CTN.
Diante desses precedentes, a compensação só é possível se a decisão judicial que homologou a cessão expressamente garantir o direito do cessionário à compensação, ou se o cessionário optar por receber o crédito pela via judicial após a homologação e transferência do polo ativo, com anuência da parte contrária.
No entanto, uma análise crítica desses precedentes revela inconsistências. A partir do momento em que ocorre a cessão do crédito conforme os instrumentos jurídicos prescritos em lei, a titularidade do crédito é transferida ao cessionário, tornando-o seu novo titular. Portanto, a compensação seria feita com crédito próprio do cessionário, e não de terceiros. A lei mencionada impede a utilização de créditos de terceiros, mas não de créditos que, após a cessão, se tornaram próprios do cessionário.
Os precedentes judiciais não exploram adequadamente essa perspectiva, sugerindo a necessidade de um aperfeiçoamento dessas decisões. A interpretação restritiva atual contrasta com o princípio de que a cessão de crédito, uma vez formalmente validada, deve ter plena eficácia, incluindo o direito de compensação tributária pelo cessionário.